O Brasil já tem uma mineradora em operação de terras raras e comercializa para o exterior sua produção desde o ano passado. No primeiro semestre de 2025, houve, aliás, um aumento de quase 700% nas exportações desses elementos em relação ao total vendido em 2024.

O assunto ganhou destaque nesta semana após o embaixador interino dos EUA, Gabriel Escobar, sinalizar às mineradoras brasileiras o interesse dos americanos pelos minerais críticos do país, incluindo terras raras.
As terras raras são um conjunto de 17 elementos químicos que, apesar de abundantes na crosta terrestre, são de difícil separação –hoje, a China domina quase todo o mercado, da extração ao refino dos elementos. Esses materiais são fundamentais para a fabricação de ímãs que vão em carros elétricos, painéis solares, turbinas eólicas e várias tecnologias de defesa.

A Serra Verde, com operação em Minaçu, no norte de Goiás, inclusive, é propriedade de dois fundos americanos e um britânico, que veem a mineradora como uma alternativa à China nesse mercado. A mineradora tem planos de produzir por ano 5.000 toneladas de óxido contido no concentrado de terras raras, o que seria a primeira produção fora da China dos quatro elementos magnéticos críticos essenciais para a fabricação de ímãs permanentes –neodímio, praseodímio, térbio e disprósio.
A americana MP, com operações na Califórnia, produziu no ano passado 45 mil toneladas, mas com foco em elementos leves, como neodímio e praseodímio. Os chineses não divulgam sua produção anual, mas estimativas do governo dos EUA apontam 240 mil toneladas, incluindo os elementos pesados.

A meta da Serra Verde ainda está longe de ser alcançada, mas neste ano a empresa exportou 480 toneladas, sendo a grande maioria em fevereiro. Apesar de a mineradora ser controlada por americanos, quase toda a exportação deste ano foi parar na China, dona de mais de 90% das refinarias de terras raras no mundo.

São nesses locais que o concentrado deixa de ser um conjunto de elementos químicos para se tornar óxidos altamente purificados –material usado na fabricação dos ímãs.
Por ora, no entanto, a Serra Verde para na concentração dos elementos. Nessa fase, a empresa transforma um mineral com teor de cerca de 0,1% de terras raras em um concentrado de cerca de 30%. É esse o material exportado pela empresa.

Mas a Folha apurou que o pioneirismo da empresa está custando caro. A empresa precisou suspender suas operações, segundo pessoas que acompanham de perto os trabalhos da mineradora, porque está tendo dificuldades não previstas na concentração dos elementos. A Serra Verde é a primeira mineradora a extrair terras raras fora da Ásia das chamadas argilas iônicas –tanto nos EUA quanto na Austrália a extração é feita de outras rochas, como a monazita.
“Esse pioneirismo trouxe um pequeno problema operacional para a Serra Verde; ela chegou a produzir e exportar, mas agora ela parou a produção, porque ela teve um problema e agora vai passar por um período de investimento para fazer essa desobstrução do processo”, diz Rafael Marchi, sócio da Alvarez & Marsal, que presta consultoria para a mineradora. “Esse processo vai durar por volta de 12 a 18 meses”, acrescenta.

Por não ter ações listadas em Bolsa, ao contrário de outras pequenas mineradoras com projetos de terras raras no país, a Serra Verde não é obrigada a divulgar informações sobre suas operações. Por isso, não há detalhes públicos das dificuldades encontradas pela empresa. Procurada, a mineradora disse que não se pronunciaria devido a razões comerciais.
À Folha, no entanto, uma pessoa que participou das operações da empresa sinalizou que o grande desafio do setor é conseguir produzir o concentrado de terras raras a um preço ao menos próximo do praticado pelos chineses.

De acordo com esse profissional, para conseguir viabilizar um projeto desse porte, a empresa precisaria vender o quilo do concentrado —produto final da Serra Verde— por no mínimo US$ 25, sendo que US$ 40 garantiriam um melhor retorno. Dados do governo federal, no entanto, apontam que a Serra Verde vendeu cada quilo do seu produto neste ano por uma média de US$ 14. O preço foi estipulado em contratos feitos antes do início das operações.

A Shanghai Metal Markets, plataforma que agrega preços de metais, aponta que o concentrado de terras raras é vendido hoje no mundo por cerca de US$ 5, valor bem abaixo do praticado pela Serra Verde. Isso acontece, segundo quem acompanha o mercado, porque as empresas chinesas, donas de toda a cadeia do produto, conseguem repassar os custos com a concentração dos elementos para outros elos da cadeia, tanto o refino quanto a própria fabricação dos ímãs.

“Com isso quem compra por US$ 14 são empresas de outros países que não querem ser dependentes dos chineses ou a própria China para manter o mercado”, afirma André Pimenta, coordenador do Instituto de Terras Raras da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais).
Fernando Landgraf, professor titular da escola politécnica da USP e membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia com foco em terras raras, também aponta que a Serra Verde pode estar tendo dificuldades em concentrar os elementos.

“Ainda que o teor seja de 0,1% pode ser que quando a mineradora passa a solução por lá para tirar as terras raras ela consegue tirar apenas 0,05%, e com isso ela gasta mais dinheiro”, afirma Landgraf. “Mas quando você está iniciando a mineração isso faz parte do jogo, não tem crítica nenhuma a se fazer, é parte do aprendizado. Você tem experiência no laboratório com quilos de materiais e quando você vai para toneladas você pode ver coisas diferentes.”

AGREGAÇÃO DE VALOR

O grande desafio do Brasil hoje, apontam especialistas, é fazer com que o país não seja um mero exportador de minerais para países desenvolvidos.

Justamente por isso, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem apostado em algumas mineradoras de metais críticos para desenvolver cadeias de valor no Brasil. Em junho, por exemplo, a Serra Verde informou que foi selecionada pelo banco para participar de um projeto de crédito a essas empresas –os detalhes do empréstimo ainda não foram divulgados.

Outro programa em andamento é liderado pela Fiemg e o Senai em Minas Gerais. Nele, 28 empresas, sendo 12 mineradoras, tentam encontrar formas de desenvolver ímãs permanentes de Neodímio em larga escala. As pesquisas são custeadas pelo Mover, do governo federal.
“O conhecimento já existe no Brasil, mas o que estamos tentando fazer é a verticalização; ou seja, sair desse status de exportador de commodity para exportador de tecnologia. Queremos transformar terras raras em ímãs permanentes”, afirma André Pimenta, coordenador do projeto. A Serra Verde não faz parte do programa.

Landgraf, da USP, aponta que o Brasil pode usar o tema em seu favor nas negociações em torno das tarifas de Donald Trump. “O fato de que temos a segunda maior reserva de terras raras do mundo poderia estar sendo colocado na mesa de negociação com os EUA, até porque a Serra Verde é de um fundo americano. Os EUA ainda não têm planta de separação; as que tinham, os chineses inviabilizaram economicamente”, afirma.

By Laiana

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