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Morreu no domingo (2), em Belo Horizonte, aos 73 anos, o cantor, compositor e guitarrista Lô Borges, nome fundamental da música brasileira e um dos criadores do movimento Clube da Esquina. A causa da morte, falência múltipla de órgãos, ocorreu após uma internação por intoxicação medicamentosa. Em entrevista à RFI em 2020, Lô falou sobre a “vontade de viver” após a pandemia e o desejo de voltar à França. Ele deixa, além do filho Luca Arroyo Borges, 27, uma obra que é referência entre gerações.

Por:

RFI

A relação de Lô Borges com a cidade onde nasceu sempre foi visceral. Como contou ao crítico Pedro Alexandre Sanches em maio deste ano, em entrevista ao site Farofafá, ele sentia “saudades siderúrgicas” de Belo Horizonte quando gravava Clube da Esquina no Rio de Janeiro, em 1971, com apenas 19 anos de idade, antes mesmo do lançamento deste álbum seminal, que redefiniu para sempre os rumos da MPB. Sua música, no entanto, não se contentou com a nostalgia mineira e atravessou sem dificuldade os picos da Serra do Cipó para desembarcar no mundo.

Nascido Salomão Borges Filho, em 10 de janeiro de 1952, em Belo Horizonte, Lô cresceu em uma família com dez irmãos e fortes vínculos musicais. O “menino da esquina” cresceu no bairro Santa Tereza, no leste da capital, onde a famosa intersecção das ruas Divinópolis e Paraisópolis reunia amigos para rodas de violão e sonhos musicais.

Caçula em meio a um grupo que aproximou nomes como Wagner Tiso, Toninho Horta e Beto Guedes, Lô Borges tinha apenas 17 anos quando compôs melodias que se tornariam clássicos do álbum duplo Clube da Esquina (1972). No mesmo ano, pressionado pela gravadora, gravou seu primeiro álbum solo, o mítico “Disco do Tênis”, cuja capa com um par de tênis surrado, presente de um primo distante, virou ícone de uma juventude inquieta e criativa.

Segundo o Pitchfork, site norte-americano que é referência mundial para o jornalismo musical, “Clube da Esquina, é um dos discos mais ambiciosos da história da música brasileira, um álbum duplo que não apenas merece entrar na mesma conversa com outros clássicos do cânone ocidental — como Blonde on Blonde [de Bob Dylan] ou Exile on Main Street [dos Rolling Stones] —, mas que pode ainda ser considerado mais inspirador e enigmático”.

“Lô apareceu como caçula, mascote e garoto-prodígio do Clube da Esquina. O fato de ele ir embora mais cedo que outros deixa um gosto amargo não só pelo seu imenso talento, mas também pela lembrança de que nos aproximamos da extinção inexorável daquela geração que mudou a história da música brasileira para sempre”, disse o crítico Pedro Alexandre Sanches à RFI, autor da mais importante enciclopédia contemporânea sobre a MPB, “Álbum”, lançada em quatro volumes pela Editora Sesc, de 2021 a 2025.

A trajetória de Lô Borges foi desde sempre marcada por encontros decisivos, como o dia, quando tinha apenas 10 anos de idade, em que ouviu a voz de Milton Nascimento, então com 20, nos corredores do Edifício Levy, na capital mineira, como ele gostava de contar, iniciando uma parceria que imprimiria um novo olhar sobre a música produzida no Brasil. Sem pretensão de criar um movimento, Lô trouxe frescor e ousadia às harmonias, tornando-se a alma do nome que batizou uma das obras mais luminosas da MPB.

Alguns dos momentos mais importantes desta música popular brasileira aconteceram justamente entre 1970 e 1971, na então Praia de Mar Azul, hoje conhecida como Prainha de Piratininga, em Niterói. Foi lá que os amigos Milton Nascimento, Lô Borges e Beto Guedes viveram por cerca de dez meses e compuseram quase todo o famoso álbum “Clube da Esquina”.

Entre suas composições mais eternas estão “O Trem Azul”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “Paisagem da Janela”, “Tudo Que Você Podia Ser” e “Para Lennon e McCartney” — canções que se tornaram verdadeiros hinos da MPB, atravessaram gerações e foram regravadas por artistas como Elis Regina, Tom Jobim, Milton Nascimento, Gal Costa, Zeca Baleiro, Skank, Nando Reis e Samuel Rosa.

O choque da pandemia

“Antes [da pandemia], eu só tinha a minha comorbidade, que era o meu passado de drogado. Dos 20 anos aos 40 passei desenvolvendo minha carreira artística, mas como todo mundo envolvido com drogas, com coisas pesadas. Foi nesse sentido que eu falei que estava muito feliz de estar vivo até hoje”, disse Lô Borges à RFI, em 2020. Crítico e atento, Lô afirmou na época que o Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, estava “fazendo flexibilização no pico da pandemia”. “Acho muito irresponsável o poder público, o governo, a maneira como eles estão lidando com a pandemia nessa linha negacionista.”

“A primeira fase [durante o confinamento] foi de negação. Abandonei o violão, abandonei o piano, parei de tocar, durante um mês e meio. Meu violão estava de quarentena, minha guitarra, meu piano, aqui estávamos todos de quarentena. Eu não me senti nem um pouco criativo”, contou durante a entrevista. Depois de mais de um mês em pausa total, Lô Borges voltou a compor para o então novo disco, com 10 músicas inéditas e letras do parceiro de sempre, o irmão Márcio Borges, “Muito Além do Fim”, lançado no ano seguinte.

Perguntando sobre a possibilidade de se apresentar na França durante a pandemia, o artista disse que sim, “desde que o Brasil seja aceito como um país confiável que autorizem o desembarque de turistas em países que são mais sérios”. “O Brasil é um país maravilhoso. Eu amo meu país, mas o Brasil teve duas pandemias. A pandemia do governo e seu negacionismo com o coronavírus, e a pandemia propriamente dita”, apontou.

Sete discos de inéditas em sete anos

Em agosto de 2025, o já saudoso Lô Borges exibia uma produtividade incomum para um artista de sua idade. Lançou o álbum “Céu de Giz”, com músicas suas e letras de Zeca Baleiro — o sétimo disco de canções inéditas gravado por ele nos últimos sete anos. Diante de tanta disposição criativa, seus fãs foram pegos de surpresa com a internação do cantor mineiro, no dia 17 de outubro, por intoxicação causada por medicamentos tomados em casa, segundo boletins médicos. No dia 25, foi submetido a uma traqueostomia e passou a respirar com ajuda de aparelhos.

Diversos artistas brasileiros prestaram nesta segunda-feira homenagens ao compositor mineiro. No perfil oficial de seu eterno parceiro, Milton Nascimento, no Instagram, foi publicada a seguinte frase: “Lô Borges foi – e sempre será – uma das pessoas mais importantes da vida e obra de Milton Nascimento. Foram décadas e mais décadas de uma amizade e cumplicidade lindas, que resultaram em um dos álbuns mais reconhecidos da música no mundo: o Clube da Esquina. Lô nos deixará um vazio e uma saudade enormes, e o Brasil perde um de seus artistas mais geniais, inventivos e únicos. Desejamos muito amor e força à família Borges, a qual acolheu Bituca em sua chegada a Belo Horizonte, lá nos anos 60, e, principalmente, ao seu filho Luca. Descanse em paz, Lô.”

O prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião, também lamentou, citando trechos de sua música: “Porque se chamavam homens / Também se chamavam sonhos / E sonhos não envelhecem. Lô Borges se foi. Sua música e sua obra artística ficarão eternamente nas esquinas de nossa mente. Meus sentimentos a toda família Borges, aos amigos e aos fãs desse grande artista.”

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