As investigações da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes levaram a Polícia Federal a descobrir um possível esquema de destinação de emendas parlamentares de deputados federais ao estado do Rio de Janeiro.
A análise dos aparelhos apreendidos nas buscas e apreensões apontou, segundo a PF, atividades ilícitas ligadas ao grupo dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, e a PF quer a abertura de um novo inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para a apuração dos indícios de crimes contra a administração pública, além de outras três investigações.
As informações estão em relatório da PF enviado ao STF sobre o caso Marielle. No documento, a polícia reforça a conclusão de que a motivação da execução de Marielle esteja ligada à grilagem de terras na Zona Oeste do Rio.
Celular de Peixe
As suspeitas sobre o destino das emendas parlamentares surgiram a partir da análise de policiais federais em mensagens do celular de Robson Calixto Fonseca, o Peixe, PM reformado e assessor de Domingos Brazão, no TCE.
De acordo com a análise, o dinheiro das emendas parlamentares – dinheiro do orçamento distribuído entre os deputados para atividades de interesse público – definidas pelos deputados federais Chiquinho Brazão (União Brasil) e Pedro Augusto (Progressistas) iam para uma ONG específica, a Contato.
A Contato foi uma das envolvidas nos escândalos da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj).
Segundo a investigação – que pode levar à cassação do governador Cláudio Castro – foi montado um esquema de contratação de funcionários fantasmas para proveito eleitoral de castro e do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar – também réu no Tribunal Regional Eleitoral.
Indicação de Eduardo Cunha
A organização não-governamental foi indicada, segundo relatório da PF, a Peixe por Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Ao chegar na conta bancária da ONG, de acordo com a investigação, o dinheiro era repassado para a conta da filha de Peixe, Maria Clara Fonseca.
A PF não apurou se, após chegar à conta de Peixe, os valores eram repassados a outras pessoas.
A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal a autorização para investigar o caso. Como envolve deputados federais, a PF não pode apurar sem que o STF autorize
O aparelho de Peixe foi apreendido na operação Murder Inc, que, em 24 de março, prendeu o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Domingos Brazão; seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão; e o delegado e ex-chefe da Polícia Civil do RJ Rivaldo Barbosa.
As conversas sobre a destinação das emendas parlamentares no celular do Peixe envolve os meses de setembro a dezembro de 2023, além de fevereiro de 2024.
Em um dos casos, em outubro de 2023, uma assessora do deputado Pedro Augusto informa a Peixe que o parlamentar gostaria de destinar verbas para a universidade UniRio e Peixe informa que “não pode ir para lá”.
Logo depois, o assessor do TCE diz que pode ir para a saúde em Belford Roxo e Nilópolis. Logo depois, a assessora do deputado Pedro Augusto manda a Peixe uma tabela com o título: “nossos valores”. O valor das emendas: R$ 9,1 milhões.
As 4 investigações que a PF pede:
abertura de inquérito no STF para a apuração das condutas trazidas diante dos indícios de crimes contra a administração pública possivelmente praticados por parlamentares federais no exercício de seus respectivos mandatos;
remessa dos autos à PGR para apurar indícios de crimes contra a administração pública e de lavagem de capitais possivelmente praticados pelo conselheiro do TCE Domingos Brazão em razão de seu cargo;
envio da apuração ao para a Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Patrimônio e ao Tráfico de Armas, da PF, tendo em vista a posse de uso restrito com registro da Força Nacional de Segurança Pública, assim como de arma com numeração suprimida de Peixe;
envio do relatório ao Grupo de Atuação Especial contra Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do RJ, ante os indícios da suposta prática de crimes contra a administração pública e de lavagem de capitais praticados pelo delegado Rivaldo Barbosa, a mulher dele, Érika Araújo e “demais personagens”.
O que dizem os citados
A reportagem procura pela defesa de Robson Calixto, o Peixe. Ainda não localizou a defesa dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão.
Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados, disse que não apresentou ONG “nenhuma a ninguém”. Disse ainda que nunca tratou de emenda: “Não tem qualquer diálogo que tenha referência a nada. Simplesmente repassei um número de telefone que devem ter me pedido de uma pessoa que haviam perdido o número. Não é pessoa de relação, simplesmente, pedi a alguém o número e repassei. Seria como você me pedir um telefone de uma pessoa, eu pedir a outra se tem, receber e repassar”.
A reportagem ainda procura por Pedro Augusto e pela ONG Contato.
